sexta-feira, janeiro 15, 2010

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"Preciso que estejas aqui e me salves dos fantasmas que atacam em bando aos primeiros alvores do dia. Espanta-os. Redime-me de alguma forma, como se me absolvesses em confissão, ou como um pai que perdoasse os desmandos do filho pródigo. Eu não sou só eu: sou também isto, este excesso de bagagem que dá multa, os gritos que não ouves quando falo muito, quando falo demais, com o intuito nervoso de espantar o bando de corvos que me cerca e me enegrece em voos rasantes de agoiro. Tenho sempre medo a esta hora da madrugada: sinto-me fraca, na vazante, no soçobro, um fio de gente, um engano cósmico qualquer. Os primeiros autocarros aceleram pela rua ainda vazia, esforçando os motores barulhentos, a televisão repete séries e concursos requentados e há uma preocupação indefinida que paira no ar, como quando tememos que um filho adoeça por ouvirmo-lo tossir no quarto. Já a culpa, essa, é uma luz acesa no meio da sala, que me incandesce e me cega. Há coisas que não te contei só porque não as quiseste saber, mas isto, ao menos, regista para memória futura: quando não estamos juntos, forças adversas aproveitam o eu estar sozinha para me acoitarem à covardia, no silêncio do dia que nasce, indiferente. Vêm lestas, como os autocarros na rua, e eu sou a sua última paragem."

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